O Brasil é o país da diversidade.Isso também se aplica à sua paisagem religiosa.Quando os portugueses aqui chegaram,encontraram nativos com suas tradições ancestrais e crenças conectadas com a natureza.Por meio dos colonizadores,o catolicismo passou a compor o mosaico religioso brasileiro.Algum tempo depois,o tráfico de escravos introduziu nessa mistura as religiões africanas.Por sua vez,a imigração contribuiu com a inserção do protestantismo.
Religiosidade indígena,catolicismos ibérico,cultos africanos e protestantismo europeu.Assim foi estabelecida a matriz religiosa brasileira,um caldeirão de referências que influencia ainda hoje a cultura,o credo e as crenças no país.
Hoje o Brasil se caracteriza por ser um país laico,apesar de ter tido o catolicismo com religião oficial por quase quatro séculos.No artigo 19,a Carta Magna brasileira estabelece que o Estado não pode manifestar preferência religiosa ou conceder privilégiso a um segmento religioso específico.No entanto,o artigo 5° da Constituição Federal expressa que,por ser a liberdade de consciência e de crena um direito inviolável,o Estado deve assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e garantir a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Além da Constituição do país,existem leis e códigos que buscam proteger a laicidade e o respeito à liberdade religiosa."O ordenamento jurídico brasileiro fornece um amplo conjunto de princípios,normas e regras para proteger a laicidade do Estado,a liberdade de culto e de crença",conforme escreveu o advogado humberto Adami na cartilha "Liberdade Religiosa e Direitos Humanos",da Universidade Federal Fluminense.
Porém,mesmo com um corpo de leis que buscam proteger o direito à liberdade religiosa e à igualdade entre os credos,o que se vê é o recrudescimento da intolerância.O desafio à liberdade religiosa é constante e a vigilância precisa ser permanente."Uma coisa é ter leis;outra coisa é garantir que estas leis sejam obedecidas",pondera Helio Carnassale,direitor Sul-americano do Departamento de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa da Igreja Adventista.
Panorâma da intolerância
Embora o Brasil possua baixa restrição governamental à liberdade religiosa,não está livre da hostilidade social.Com frequência têm sido registrados incidentes de intolerância,desrespeito e mesmo violência por motivações de fé e de crença.Os dados do Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (Rivir),divulgado em 2016 pela Secretaria de Direitos Humanos do governo federal,confirma essa realidade.De acordo com o levantamento,entre 2011 e 2015,foram registrados oito assassinatos comprovadamente motivados por intolerância religiosa.Os piores casos envolvem violência e desrespeito aos praticantes e locais de culto das religiões de matriz africana,além de discriminação contra evangélicos,segmento que cresceu significativamente nos últimos anos.
Conforme lembra Bernado Pablo Sukiennik,presidente do Observatório de Liberdade Religiosa (Olir),embora esses sejam os segmentos mais prejudicados,até a religião majoritária no país tem sofrido hostilidades."É recorrente a destruição de imagens de santos",ele exemplifica,lembrando a perfomance polêmica do artista nu que estruiu uma imagem de Nossa Senhora.
Além da violência física,a intolerância religiosa se manifesta de diversas formas.Entre as causas judiciais mais recorrentes estão aquelas relacionadas ao dia de guarda.Motivo pelo qual a maior parte das vítimas que procuram os tribunais brasileiros é adventista (45%),como também relatou a última edição do Rivir.As maiores tensões dizem respeito à jornada de trabalho,bem como à adequação de datas de provas,vestibulares e concursos públicos.
Avanços e desafios
O serviço militar obrigatório,que no passado já representou um grande desafio para os guardadores do sábado,hoje já não é um problema tão grande,graças à Lei 8.239,de 1991,que garantiu o serviço alternativo.
Contudo,ainda existem lacunas em outras áreas que projetos de lei que tramitam no Cogresso Nacional estão tentando preencher.De acordo com Damaris Moura,presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/SP,uma das necessidades é a regulamentação da prestação alternativa em nível federal.
As principais propostas nessa linha incluem o Projeto de Lei do Senado 564/2015 e o Projeto de Lei da Câmara 130/2009,que buscam assegurar a prestação alternativa a alunos de escolas públicas e privadas de todos os níveis de ensino,bem como a participantes de concursos públicos.O que resolveria,por exemplo,problemas como o que era enfrentado pelos sabatistas antes de o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ser mudado para dois domingos.Ambos são objeto,inclusive,de consultas públicas abertas no site do Senado (acesse:goo.gl/3QsbRp e goo.gl/EvHj7m).
União de esforços
Diante dos desafios existentes no país,tem havido um esforço conjunto em defesa da liberdade religiosa por meio de diversas frentes.Em 2004,foi criada pelo professor Samuel Luz a Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania (Ablirc).
Dois anos depois,a OAP/SP estabeleceu a primeira Comissão de Liberdade Religiosa do país que,além de promover debates e oferecer assessoria jurídica a vítimas de intolerância,mais recentemente passou a oferecer cursos de extensão sobre Direito à Liberdade Religiosa."Hoje,12 estados e o Distrito Federal já têm essa comissão e dezenas de subsecções da OAB também a criaram",comemora Damaris Moura,adventista que preside a Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/SP e foi uma das palestrantes da 23ª Conferência Nacional da Advocacia,que pela primeira vez abriu espaço para o tema da liberdade religiosa.
Em 2015 também ocorreu o lançamento da Frente Parlamentar Mista de Liberdade Religiosa no Congresso Nacional.No mesmo anos,o país ainda ganhou o Observatório de Liberdae Religiosa (Olir).Muitas dessas iniciativas têm sido lideradas ou contado com o apoio de advogados,professores e outros membros da Igreja Adventista.
Além de atuar nessas entidades,promovendo a conscientização da sociedade e das autoridades,bem como maior igualdade,os adventistas têm contribuído para aprofundar reflexões acadêmicas.
Fórum permanente
A Igreja Adventista tem atuado não apenas na defesa de seus direitos,mas na proteção do direito de todos.Refletindo essa visão,ela se preocupa em promover reuniões internas ao mesmo tempo em que organiza eventos que envolvam toda a sociedade no debate,como fóruns e seminários realizados com o apoio de outras entidades que defendem a mesma bandeira."Temos três metas bem claras: (1) fortalecer em nossa própria comunidade a consciência de que existem leis que garante a liberdade de crença e de culto a fim de que as pessoas não se encolham nem se calem; (2) criar em cada sede administrativa da denominação uma liderança institucional,mas também leiga,composta por advogados,funcionários públicos,professores universitários e outros interessados,com o intuito de formar uma base de atuação leiga de suporte ao trabalho da liderança da denominação;e (3) realizar mais ações,mais movimentos,dentro e fora da igreja.Nosso desejo é apresentar-se mais para a sociedade,visitar autoridades,nos três poderes,e não ter preconceito de nos unir neste assunto com outras entidades religiosa",afirma Carnassale.
A intenção da Igreja Adventista do Brasil e na América do Sul é tornar a defesa da liberdade religiosa um fórum permanente.Voltado para a prevenção,o programa do departamento de Liberdade Religiosa para os próximos anos tem como foco principal a estruturação de fóruns regionas (chamados de Forlir),que funcionem em cada sede administrativa da igreja,e que reúnam trimestralmente líderes da pasta,advogados,professores universitários e outros interessados notema para discutir o assunto,analisar se há casos de intolerância na região e oferecer apoio às vítimas.
Defender esse princípio fundamental (expresso no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948)é algo que está no DNA dos adventistas no Brasil e no mundo.
Heron Santana é jornalista e líder do Departamento de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa da Igreja Adventista para os estados da Bahia,pernambuco e Sergipe; Márcio Tonetti é jornalista e editor na Casa Publicadora Brasileira